segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O pesadelo no Santuário do Desterro

Fear of the dark por Antonio Trivelin no Flickr


Final do ano de l869.Na penumbra do cerrado existente na colina, no silêncio, o vulto de um homem, aparentando seus cinqüenta anos, quedo em oração, busca consolo para a angústia de sua alma. Esse homem – Coronel João Gonçalves dos Santos – atribulado pelas provações, lembra-se que só em Deus encontraria paz e resignação para os seus sofrimentos. Como homem de fé, ele tem em seu pensamento o mistério da fuga da Sagrada Família para o Egito. Imagina, com os olhos da fé, as angústias da aflita Mãe e seu doloroso exílio.Inspirado na piedade e na confiança de Maria,  exclama: “Queridíssima e aflita Mãe! É do vosso agrado que eu levante aqui, neste ermo, uma Capela em sua honra? Livrai-me, pois, dos grandes males que me afligem”...O Coronel é atendido em sua súplica, obtendo a graça.Reconfortado,  inundado de paz e alegria, cumpre, imediatamente,  a sua promessa.E assim, a pequena Capela, simples e modesta, sob a invocação de Nossa Senhora do Desterro é erguida, como testemunho de sua devoção,  de gratidão e de amor à Mãe de Deus. 


A Capela de Nossa Senhora do Desterro, que hoje vemos na Colina do bairro do mesmo nome, foi construída em 1936, pelas mãos operosas do inesquecível sacerdote estigmatino Padre Luís Maria Fernandes. Mas a sua origem remonta ao ano de 1869, quando o Coronel João Gonçalves dos Santos, cumprindo promessa feita à Virgem Maria, erigiu uma humilde capelinha no lugar denominado Alto da Boa Vista, local inserido na antiga Fazenda Casa Branca. Conta a história, principalmente os descendentes do Coronel, que a imagem que repousa no altar da Capela veio de Portugal. O Coronel e seus familiares reuniam-se em torno dela para, diariamente, rezarem o terço. No entanto, outras pessoas também foram se achegando à família e passaram a freqüentar os momentos de oração diante da imagem, surgindo a necessidade de aumentar a pequena capela. Dia a dia aumentavam as pessoas que procuravam a Virgem Santa, para um pedido ou para uma oração. Diante disso, em 27 de abril de 1890, o Cônego Miguel Martins da Silva, vigário da paróquia, celebrou ali a primeira missa. Mas o fluxo popular continuava a crescer com o correr do tempo e a capelinha tornara-se pequena, e ainda mais, quase em ruínas, ameaçando desabar. Sob a orientação do Cônego Oscar Sampaio Peixoto – pároco de Casa Branca -  no ano de 1931, ela foi reformada e ampliada. Ainda assim não foi suficiente. Em 1936, quando a paróquia passou para as mãos dos Padres Estigmatinos, o Padre Luís Maria Fernandes resolveu demolir a antiga igreja e construir uma outra, bem maior e que poderia atender ao grande movimento de romeiros e fiéis, sofrendo algumas alterações, principalmente na fachada. E até hoje, ela está servindo a todos, propagando a devoção à querida Mãe – Senhora do Desterro.

O pesadelo

Subi as escadas em direção à ala que dava acesso ao meu quarto. Antes disso, tranquei a porta de vidro e acendi a luz do corredor. Já estava tudo escuro. Segui em frente e atravessei uma porta de madeira. Essa porta era dividida em duas partes, semelhante áquelas dos filmes de faroeste. Com a força do vento ela balançava pra frente e pra trás produzindo um som assustador. Não importa quantos anos a gente viva, quando a noite cai ela traz consigo temores escondidos em nossa alma desde criança. Quanto mais eu avançava pelo corredor mais eu me sentia desconfortável. Quando cheguei ao quarto fui até a janela observar o movimento lá fora. A igreja estava linda, toda iluminada e ao fundo ouvia a celebração da missa que ocorria naquele exato momento. Depois, haveria um baile e a festa avançaria pela madrugada. O estacionamento estava lotado de carros e o movimento de pessoas na área externa do Santuário era um alívio, pelo menos momentâneo. Fui tomar um banho pra relaxar esperando que o sono viesse. Olhei no relógio, 22:00 h. A música do baile ecoava por todo complexo. O sono começou a me pegar, as duas cervejas devem ter contribuído bastante. Acendi a luz do corredor e deixei a porta do quarto aberta. Se algum barulho viesse lá de fora era mais fácil ouvir. Entorpecido pelo álcool, apaguei...

Quando deu 03:15 h acordei. Tive a impressão de apenas ter piscado os olhos, quando na verdade já havia dormido 5 horas. Olhei pela janela do quarto e o estacionamento já estava vazio. A igreja continuava linda e toda iluminada. O barulho do baile havia cessado e só se ouvia o assovio do vento lá fora. Eu ainda estava com muito sono e extremamente cansado. Dei uma olhada naquele corredor vazio e comprido cheio de portas e sem uma alma viva por perto. Me dei conta que ainda faltavam praticamente 3 horas para amanhecer. Eu queria sair dali mas o que fazer lá fora as 03:00 h da madrugada? O jeito era tentar dormir novamente. Fui para a cama e fechei os olhos. O ruído da porta faroeste lá no final do corredor estava me incomodando. O vento entrava pela janela frontal e fazia a porta abrir e fechar produzindo um "nhac, nhac" assustador. Fiquei imaginando o som de uma porta batendo ou o burburinho de pessoas conversando. Jà estava aterrorizado pelo medo. Levantei da cama e olhei novamente pela janela. A altura até o chão era de mais ou menos 3 metros. Se precissasse pular numa emergência não seria tão perigoso. A minha mente estava inquieta e eu já pensava em todas as possibilidades de fuga. Voltei pra cama tentando me livrar dos pensamentos perturbadores. Olhei no relógio e ainda eram 03:30 h, a hora não passava de jeito nenhum.

Lembrando os tempos de criança comecei a contar carneirinhos. Um, dois, três...208,209,210 e o sono vindo lentamente. A imagem dos bichinhos pulando a cerca já era vaga. Eu estava agora dentro de um castelo medieval. Um grande salão em forma de semi-círculo iluminado por inúmeras lamparinas a óleo. Apesar disso o lugar tinha um aspecto lúgubre, sepulcral. Ao fundo pude observar algumas pessoas. Elas vestiam túnicas marrons com capuzes pronunciados e calçavam botas pretas até o joelho. Dá onde eu estava não dava pra ouvir o que conversavam mas percebi que dentre eles havia um líder, era ele que dava as ordens. Eu estava escondido atrás de um pilar e fiquei todo tempo abaixado para não ser visto. De repente, pararam de conversar e foram todos em direção a um corredor. Um deles empunhava uma adaga na mão direita. Subiram um lance de escada e abriram uma porta de vidro. Meus Deus!!! Eles estavam indo em direção ao quarto em que eu dormia...Mas como???  Se eu estava ali vendo tudo...Eu precisava fugir imediatamente!!! Precisavam de um peregrino do Caminho da Fé para um sacrifício. Era isso...faziam parte de uma seita secreta e me queriam para um ritual satânico. Sabiam que eu estava ali sozinho, indefeso e sem ninguém para ajudar. Eu precisava reagir, não queria morrer daquela forma sem ter atingido o meu grande sonho de concluir o CF. Nossa Senhora precisava me ajudar, não seria justo ser abandonado e entregue para aquele banquete macabro.

Ouvi de longe a porta de madeira balançar. Os passos no corredor iam ficando cada vez mais fortes. Eu já não estava mais observando tudo, eu estava no quarto deitado na cama. Inerte. Esperando pela hora derradeira. O sujeito que segurava a adaga na mão entrou primeiro e os outros ficaram na porta do quarto impedindo qualquer possibilidade de fuga. Ele me puxou pelas pernas, tentando me arrastar para fora. O pânico paralisante havia passado e agora eu precisava lutar pela minha vida. Puxei as pernas com toda a força que eu tinha e tentei me desvencilhar. Tentei abrir os olhos mas eu não conseguia. Eu precisava enfrentar aquela situação, não tinha como escapar. Inexplicavelmente eu não conseguia usar os braços para lutar, só as pernas funcionavam. Concentrei todas as forças do mundo nas minhas pernas  e num movimento rápido e inesperado dei um pontapé no meu algoz. Neste momento abri os olhos e  tudo havia desaparecido. Meio tonto, não havia percebido se sonhava ou se realmente havia vivido tudo aquilo. O meu corpo suava em bicas. Eu olhei na janela e vi sinais da aurora radiante. No corredor a porta ainda balançava com a força do vento. Fui no banheiro e olhei no espelho, a imagem refletia o cansaço daquela batalha. Me dei conta que estava vivo. Dei um sorriso e respirei fundo. Agradeci a N.S.Aparecida por ter me salvado. Arrumei as minhas coisas e desci para o café. Não comentei nada com ninguém e deixei o Santuário do Desterro em direção à Vargem Grande do Sul.

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