terça-feira, 30 de outubro de 2012

Estiva - Paraisópolis

Cruz de madeira em homenagem ao médico-peregrino morto por abelhas


Para sair de Estiva fiz o mesmo caminho da procissão, só que no sentido inverso. Cheguei na ponte e atravessei a rodovia Fernão Dias. O dia ainda estava clareando. Do outro lado da cidade segui por um caminho de terra. Encontrei com crianças na beira da estrada esperando pelo transporte escolar. Ao passar por elas, acenei com a mão dizendo "Bom Dia". Elas me olharam admiradas e retribuíram o cumprimento. Desde que iniciei o CF em São Carlos tive a ilusão de que todas as pessoas que eu cruzava pelas estradas sabiam que eu era um peregrino e que viajava rumo à basílica de Aparecida. Com o tempo percebi que ao encontrar alguém pelo caminho era eu que cumprimentava primeiro. As pessoas apenas retribuiam. Mas o caminho é tão mágico que durante muito tempo tive a impressão de ser o contrário. 

As 08:30 h eu já havia vencido a Serra do Caçador. Apoiei a bike no tronco de uma árvore, sentei no chão e com os olhos fechados senti toda a energia daquele lugar. Curti novamente a liberdade de estar sozinho. Antes de seguir em frente procurei por um graveto e quando o encontrei fiz uma inscrição no meio da estrada: "Crispim 08:30 h". Com certeza, o Tim e a Marílis iriam saber o horário que passei por ali. Dada a inclinação da ladeira seria impossível passar por ali pedalando. Um pouco mais a frente encontrei com um cão solitário. Não parecia estar perdido. Ele vinha andando na estrada em direção à Consolação. Diminuí o ritmo da pedalada e lhe fiz compania por uns 2 Km. Conversei com ele como se estivesse conversando com um amigo. Falei das minhas aventuras pelo Caminho da Fé e das minhas decepções com as pessoas. Lhe ofereci água mas ele não aceitou. Seguia num trote apressado parecendo que tinha hora pra chegar. Quando parei para descansar ele seguiu em frente e desapareceu numa curva da estrada.

Faltando poucos quilômetros para chegar em Consolação avistei uma porteira do lado esquerdo. Ao lado dela tinha uma cruz de madeira com uma inscrição. Trazia um nome na horizontal e uma data na vertical com uma outra inscrição que não pude entender. Eu já havia encontrado muitas pelo caminho mas aquela em especial me chamou a atenção. Desci da bicicleta e me aproximei. Foi nesse momento que me veio à mente a história do médico-peregrino atacado por abelhas. A primeira vez que ouvi o comentário foi em Descalvado e depois em Águas da Prata. Na sede, tive a oportunidade de consultar o livro dos peregrinos e vi a mensagem e o dia que ele havia passado por lá. Se não me engano, ele era otorrino e morava em São Sebastião do Paraíso/MG. Era alérgico à picadas de abelhas e infelizmente naquele ponto foi atacado por um enxame ou por algumas delas, não sei ao certo. Para quem tem esse problema, uma única picada poderá ser fatal. Fiz uma oração pedindo a Deus que colocasse sua alma em bom lugar. Depois da oração, fiz o sinal da cruz e segui em frente rumo à Consolação.
Ainda bem que o último trecho antes da cidade foi numa banguela. Soltei os freios e aproveitei com toda a alegria o descidão. Cheguei na cidade sem pedalar ainda embalado pela velocidade da magrela. Parei em frente à igreja e felizmente a porta estava aberta. Entrei para agradecer e pedir proteção no restante da viagem. A pousada da Dona Elza ficava bem ao lado. Peguei a credencial para carimbar e após encher a caramanhola de água partí rumo à Paraisópolis. 

Inconscientemente eu estava pedalando num ritmo mais forte. Por alguns momentos eu ainda pensava que o Pedro estava lá na frente me esperando. Mas agora a situação era diferente, eu é que vinha na dianteira. Atrás de mim vinha o casal de Mococa, o Tim e a Marílis. Saindo de Consolação, andei por algum tempo no acostamento da rodovia, em nenhum momento cruzei com algum veículo. Melhor assim. Um pouco mais à frente o caminho entrava novamente numa estrada de terra. Segui uns 400 m beirando um riacho para mais a frente atravessar uma ponte, o caminho retornava em sentido inverso. Depois de um certo tempo percebi que fiz um "U" simplesmente para poder passar para o outro lado do rio. Toda a região era cercada por pequenas propriedades rurais e com grande predominância na criação de gado. A coisa mais difícil de acontecer era encontrar alguém andando pela estrada e quando isso acontecia eu me sentia feliz. Não sei explicar. Talvez, a ideia de uma completa solidão me deixasse um pouco intranquilo. Quase chegando em Paraisópolis fui finalmente alcançado pelo Tim, logo atrás vinha a sua esposa. Pedalamos juntos até a pousada da praça, onde pernoitamos.


Recados 5904/05


Estiva-Consolação

Acordei bem cedo e saí rumo à Consolação. A intenção era subir a Serra do Caçador antes que o sol estivesse "fritando" na cabeça. E deu certo, as 08:30h já havia vencido a subida e desfrutava de um visual incrível no alto do morro. Imprimi um ritmo forte ainda achando que o Pedro estava lá na frente me esperando...rsrsrs Na verdade era eu que vinha na frente pois tinha um casal de Mococa vindo depois de mim (Tim e Marílis).

Antes de Consolação avistei uma cruz ao lado de uma porteira. Possivelmente era do médico-peregrino que foi atacado por abelhas...Parei um instante e fiz uma oração!!! A chegada em Consolação foi tranquila e depois de algumas fotos carimbei a credencial e segui rumo à Paraisópolis.

Consolação-Paraisópolis

Sem perder muito tempo segui rumo à Paraisópolis. O trajeto é mais fácil do que o anterior mas o horário já prejudicava a pedalada. O sol já apontava quase 90º. Parei algumas vezes para descansar e tirar fotos. Faltando 8Km para a chegada fui alcançado por Tim e Marílis, o casal de Mococa que vinha logo atrás. A partir desse momento pedalamos juntos até a Pousada da Praça. 

Chegando lá fomos muito bem recebidos pela Jandira. A arquitetura e decoração do local é em estilo rústico, de muito bom gosto. A localização também é ótima, fica no centro da cidade.

Eu passei boa parte da juventude nesta cidade, um amigo meu tinha parentes na área rural. Amanhã vou pegar a bike e ver se os encontro. Já faz 15 anos que estive aqui pela última vez...



Fotos


Área rural de Estiva

Um pouco antes de subir a serra


Inscrição deixada no meio da estrada no alto da serra

Vista do alto da Serra do Caçador

Divisa de municípios

Capela no bairro Boa Vista

Seria um peregrino?

Esse simpático cãozinho me acompanhou durante 2 Km

Chegando em Consolação

Vista atrás da igreja

Fachada frontal

Imagem de Cristo crucificado

Corredor central e altar em reforma

Praça

Deixando a cidade de Consolação

Placa indicando o destino Paraisópolis

Depois da rodovia entrei a direita nesse ponto

A estrada margeando o rio

Ponte de madeira, o caminho segue virando à esquerda

Entrada de um dos muitos sítios das redondezas

O caminho passa contornando essa bela montanha

Momento em que fui alcançado pelo casal de Mococa

Nesse ponto já é possível avistar Paraisópolis

Marílis pousando para a foto em frente à igreja de Paraisópolis


sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Estiva

Imagem de Nossa Senhora Aparecida chegando em Estivas


Depois que o Pedro partiu, peguei minhas coisas e fui até a pousada Poka. A pousada fica em cima da padaria Santa Edwirges e do terraço se tem uma visão privilegiada da praça e da igreja matriz. Reservei um quarto simples com banheiro coletivo. O dormitório ficava no fundo do corredor do 1º andar, era limpo e organizado. O mesmo não posso dizer do banheiro que passou os dois dias que fiquei por ali sem receber uma faxina. No segundo dia a situação já estava deplorável e eu mesmo acabei dando uma limpada para poder tomar banho. Até pensei em reclamar da situação mas acabei desistindo. A padaria que funcionava embaixo era bem agradável. Bem espaçosa, tinha uma variedade grande de pães e doces. A única coisa que achei estranho era não ter visto nenhum doce ou torta de morango. Afinal de contas, estávamos na terra do morango como dizia o slogan no carimbo da pousada. Cheguei até a perguntar à funcionária onde eu poderia comprar uma caixa da fruta. Ela me respondeu que só encontraria na área rural. Um senhor que escutava a conversa me disse que a produção já estava toda vendida para São Paulo, e que, com sorte eu encontraria na quermesse de logo mais à noite.

Foi nessa hora que fiquei sabendo da festa que aconteceria na cidade. A imagem de Nossa Senhora Aparecida chegaria as 16:00 h na entrada de Estivas e seguiria em procissão até a igreja matriz. Depois da missa, aconteceria uma quermesse na praça central.Troquei de roupa, coloquei um chinelo nos pés e fui andando até o trevo, próximo à rodovia Fernão Dias. Fiquei sobre a ponte, esperando a chegada da imagem. De lá, observei a rua sendo tomada pelos fiéis. Uns vinham de carro, outros de moto e a grande maioria a pé. A visão da ponte era ampla. Enquanto aguardava a chegada de N.S.Aparecida me distraía com o vai e vém dos carros na rodovia. Quinze minutos depois do horário programado, um carro preto se aproximou da multidão. De dentro dele saiu o padre carregando a padroeira do Brasil. Naquele momento a cidade explodiu de alegria e emoção. Centenas de rojões estouravam no céu anunciando o início da procissão. A emoção tomou conta de mim. Pela segunda vez durante a viagem eu me derramava em lágrimas. Embora eu tenha estudado desde a minha infância em colégio de freiras sendo educado sob os preceitos da fé cristã, eu nunca fui um católico praticante. Tirando a primeira comunhão e alguns casamentos, nos quais fui convidado, eu já não me lembrava da última vez que havia assistido uma missa, quem dirá uma procissão. A realização do Caminho foi uma grande oportunidade de resgatar a minha fé, que se não estava morta, estava adormecida...em estado de latência.

Acompanhei a procissão pelas ruas enfeitadas com bandeirinhas azuis e brancas. As pessoas estavam esperando nas janelas e sacadas das residências. Todos cantavam e saudavam a passagem de N.Senhora. Quando chegou na praça central a multidão já havia tomado o interior da igreja. Eu não consegui entrar. Subi até o terraço da pousada e acompanhei tudo de lá. Pelos alto-falantes pude ouvir a missa sendo celebrada. Fiquei admirado ao ver a fé daquele povo. Algo que já não percebia nas grandes cidades, onde as pessoas pareciam lutar entre si pela sobrevivência. Depois da missa, os devotos foram saindo em direção às barracas montadas na praça. Tinha de tudo: doces, salgados, pizzas, churrasquinho e a tradicional barraca do bingo. Eu corri logo para a barraca dos doces, não podia ir embora sem provar os deliciosos morangos de Estiva. Paguei $ 2,00 pelo espetinho da fruta, dispensei a cobertura de chocolate para não deixar muito enjoativo. A festa estava animada e a barraca do bingo era a que atraía mais as atenções. Eu não participei, fiquei apenas acompanhando. Era muito divertido quando o narrador anunciava os prêmios. Fulano de tal ganhou um frangão. Ciclano bateu a linha e levou uma galinha cabidela. Cartela cheia vale uma meia leitoa. Só no interior para a gente ver essas coisas...

No dia seguinte, um domingo, acordei tarde. Depois do café, resolvi fazer uma revisão na bike. Aparentemente estava tudo em ordem. Procurei não sair e fiquei descansando o restante do dia. Na parte da tarde, chegou um casal de bike na pousada. Eram o Tim e a Marílis. Eles vinham de Mococa, cidade onde moravam. Conversamos brevemente e os convidei para seguirmos juntos na segunda feira. Desde Águas da Prata eu havia me acostumado a ter compania, e não me importaria em pedalar em um ritmo um pouco mais forte, afinal de contas eu estava descansado. Antes de dormir passei no banco e vi que minha conta já estava quase chegando no vermelho. Com aquela quantia dificilmente eu terminaria a viagem. A solução foi ligar para minha mãe e pedir um empréstimo. Eu sempre gostei de viajar com uma margem folgada de dinheiro, principalmente, para situações de imprevisto. Até ali eu já havia torrado R$ 900,00 e ainda me restavam mais R$ 400,00. Resolvi pedir mais R$ 500,00 para garantir até Aparecida. Eu acabei gastando bastante com coisas que não estavam programadas. Em Descalvado tive que voltar de ônibus para São Carlos, para pegar meus óculos que esqueci no hotel. Lá, acabei parando para almoçar. Em Santa Rita, parei numa fábrica de biscoitos e comprei pra toda a família. Tive que despachar pelo Sedex e só aí gastei uma graninha. Em Tambaú comprei souveniers aos montes na Casa do Padre Donizzeti. Em Estiva tive que comprar um pen drive de 4GB para armazenar as fotos. E outros gastos que nem me lembro mais. A minha mãe fala que um dos meu defeitos é ser mão aberta. Eu não me vejo de outra forma. Jamais conseguiria guardar dinheiro debaixo do colchão. Risos.

Segunda-feira bem cedo já estava pronto para partir. O meu destino agora era Paraisópolis. O Tim e a Marílis acordaram um pouco mais tarde e quando eu já havia terminado o café é que eles chegaram na padaria. Combinamos de nos encontrarmos pelo caminho. Era certeza absoluta que eles me alcançariam antes de Paraisópolis. Fui embora tranquilo, ainda mais sabendo que vinha gente atrás de mim...


Recado 5894

Descanso em Estiva

Hoje foi um dos piores dias da caminhada. Dores musculares por todo o corpo e cãimbras nas pernas. Subir as montanhas de Minas Gerais foi uma tarefa penosa. Talvez seja fruto do esforço demasiado durante esses últimos dias somados ao meu fraco condicionamento físico. Partir de São Carlos foi um erro de planejamento, deveria ter iniciado em Águas da Prata. Mas agora...já foi.

Resolvi descansar essa tarde e amanhã vou avaliar a situação. Pode ser que fique por aqui amanhã também. Nessa viagem o tempo é o meu maior aliado e a resistência física a minha inimiga. Agora que está quase no final, é só ter paciência e perseverança para chegar em Aparecida.

Um abraço a todos e até a próxima cidade...



Recado 5895
De Wágner C. Silva de Ribeirão Preto/SP

Caro Crispim,
Sem ti conhecer já virei seu fã...rsrs. Vc tem mostrado que somos humanos, mto humanos e como humanos temos dores, temos momentos de fraqueza, mas temos tbém mta, mas mta perseverança e fé. Acredite no seu potencial e aguarde a recompensa ao final da estrada. Qdo vc avistar a torre da basílica de Aparecida, seu coração vai explodir de alegria e suas forças serão renovadas a tal ponto que sua bike vai parecer um foguete, tamanha a velocidade que vc vai imprimir para lá chegar o mais rápido possível. Estarei orando e torcendo por vc. Acelera Crispim...rs. Abçs. Wagner


Recado 5898
De Mário de Águas da Prata/SP

Olá, Crispim, assim como eu, acredito que tem muita gente torcendo por vc, quem saiu de S. Carlos e já se encontra em Estiva, pode se considerar um vencedor, respeite o limite de seu corpo, que vc vai conseguir, força, coragem e muita fé, que esta "viagem" ficará eternamente marcada na sua vida, abraços



Recado 5899
De Tiago de Ribeirão Preto/SP

Mantenha-se firme Crispim estamos torcendo por vc, frutas e legumes te daram vitaminas necessarias para a jornada, mentalize Jesus que o sofrimento aliviara.... siga com Deus.
Ps to aqui morrendo de vontade de estar no seu lugar, tenho muita saudade do CF, boa viagem.....



Recado 5903

Domingo em Estiva/MG

Tirei o domingo para descansar. Conversando com os moradores da cidade fiquei sabendo que haveria uma festa em homenagem à Nossa Senhora Aparecida, a imagem chegaria as 16:00h no trevo da cidade e seguiria em procissão até a igreja matriz.

Coloquei um chinelo e fui andando até o trevo. As ruas já estavam todas tomadas pelos devotos, as casas enfeitadas com bandeiras azuis e brancas. Por volta das 16:30h a imagem chegou...Os fogos no céu anunciavam demonstravam o clima de festa e expressavam a fé daquele povo do interior...Nesse momento não pude conter as lágrimas e chorei pela 2ª vez durante a viagem. A emoção foi demais...

Segui a procissão até a igreja matriz e infelizmente não consegui entrar na igreja de tanta gente que havia. Acompanhei tudo da sacada da pousada



Fotos



Arquitetura moderna da igreja em Estiva

Jardim da praça central

Vista lateral 

Interior da igreja, altar a frente

Padaria Santa Edwirges e pousada Poka

Capela 

Rodovia Fernão Dias sentido São Paulo

Rodovia Fernão Dias sentido Belo Horizonte

Refrigerante sabor abacaxi vendido na região

Vista da rua quando cheguei na ponte

Vista da rua quando a imagem chegou

Os fiéis comemoraram com fogos a chegada de NSA

Foto da procissão I

Foto da procissão II

Padre segurando a imagem

Por onde passa a procissão arrasta a multidão

A cidade toda enfeitada aguardando a imagem peregrina

Foto da procissão III

Foto da procissão IV

Foto da procissão V

Uma senhora carregando o crucifixo

Padre de Estiva subindo a rua à frente da procissão

A imagem chegando na praça central

Do terraço da pousada observo a movimentação

 
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